Banda Larga para Todos ainda precisa ficar mais claro

Samuel Possebon – Teletime

Com a solenidade realizada pelo presidente Michel Temer e pelo ministro Gilberto Kassab (MCTIC) nesta segunda, 12, para celebrar os convênios com mais de 2,4 mil prefeituras que se dispuseram a aderir ao programa Banda Larga para Todos pode-se considerar o programa lançado oficialmente, ainda que, informalmente, o ministro Kassab já viesse fazendo anúncios esporádicos sobre o programa desde o final do ano passado. Este tem sido o principal programa que Kassab quer deixar de legado em sua passagem pelo ministério, uma vez que seu desligamento já foi anunciado e deve acontecer ainda este mês. Mas ainda há uma série de questões que parecem não estar respondidas sobre o programa, pelo menos de maneira definitiva, para que se possa ter a exata dimensão do impacto que ele pode vir a ter.

A primeira questão é sobre o instrumento jurídico que dá sustentação ao Banda Larga para Todos. Sabe-se que esse é o nome de marketing adotado pelo ministério para um programa bem mais antigo, o Gesac (Programa de Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), criado em março de 2002 e que no final do ano passado ganhou um novo escopo por meio da Portaria do MCTIC 7.154/2017. A principal novidade desta portaria de 2017 foi prever o a possibilidade de localidades beneficiárias indicadas pelos municípios conveniados com o MCTIC para o Gesac em que “serão disponibilizados os serviços de internet em banda larga a fim de que possam ser contratados por usuários privados”. Ou seja, o Gesac, que era um programa de acesso contratado pelo governo para ser ofertado gratuitamente passou a prever um serviço privado, contratado diretamente pelos usuários. Algo bem diferente da oferta em pontos de presença pré-estabelecidos e em telecentros, como era o Gesac até hoje.

Esse é o núcleo do Banda Larga para Todos. O governo que atrair para determinadas localidades (fala-se em 30 mil) prestadores de serviço que atuarão comercialmente. Em troca, estes prestadores terão como benefício, de um lado, a isenção de ICMS prevista para o Gesac por meio do Convênio 141/2007 do Confaz. De outro lado, terão a isenção de ISS sobre os serviços que não sejam de telecomunicações. Esta isenção é condição necessária para que as prefeituras possam aderir ao programa Gesac, assim como assegurar um local com segurança para a instalação dos equipamentos. O governo ainda não aplicou nenhum tipo de filtro para dizer quais localidades podem ou não ser atendidas e nem disse que tipo de empresa pode ou não participar do programa. Algum destes filtros, presume-se, sejam os que estão nas regras do Gesac.

O Gesac tem como um dos objetivos, segundo a Portaria 7.154/2017,  “apoiar comunidades em estado de vulnerabilidade social, localizadas em áreas rurais, remotas e nas periferias urbanas, oferecendo acesso a serviços de conexão à internet, promovendo a inclusão digital e social e incentivando as ações de governo eletrônico”. Além disso, serão beneficiadas com o programa “localidades onde inexista oferta adequada de acesso à internet em banda larga, identificadas pelo MCTIC”. O serviço pode ser prestado por quaisquer “prestadoras de serviços de telecomunicações que demonstrem capacidade de atender às localidades” e estas empresas deverão “buscar modelo de negócio que garanta a prestação do serviço de valor adicionado (SVA) e/ou de telecomunicações para acesso à Internet em banda larga aos usuários nas Localidades Beneficiárias de forma perene e sustentável, a preço justo e razoável”.

O ministério optou por não definir um valor mínimo que será cobrado do usuário final, por entender que isso tem que fazer parte da viabilização do serviço. Também não está dito ainda se haverá uma velocidade mínima a ser exigida nas ofertas, ou se será permitida a adoção de franquia de dados, considerando que a expectativa é que a infraestrutura base do serviço será por satélite, uma vez que Banda Larga para Todos deve chegar onde inexista a oferta adequada do serviço. O tamanho das localidades que poderão ser atendidas também não está claro. Fala-se de localidades entre 100 e 1000 habitantes, mas isso não está dito na portaria do Gesac. Também não está claro como funcionará o processo de credenciamento das empresas interessadas em prestar o serviço e como será a fiscalização destas empresas e dos serviços prestados. Lembrando que o Gesac, conforme a  portaria, é um serviço permanentemente acompanhado pelo governo. Conforme a norma, cabe ao prestador credenciado “implantar ou disponibilizar meios para sistema de monitoramento aceito pelo MCTIC de forma a que seja possível monitorar o cumprimento das obrigações previstas”, especificamente “acompanhar, avaliar e fiscalizar a aplicação dos recursos e a execução das ações e atividades relativas ao programa”.

A isenção de ICMS do Gesac ainda é outro ponto complicado do Banda Larga para Todos. Não se sabe como o as secretarias de fazenda estaduais congregadas no Confaz reagirão a um serviço prestado comercialmente em cima de um convênio de 2007 cujo objetivo era isentar um serviço bancado com recursos do governo em um conjunto limitado de pontos de presença. Esta incerteza é o deixa as grandes teles longe do Banda Larga para Todos. E mesmo a adesão dos pequenos ISPs tem se mostrado reticente porque a isenção do ISS significaria, para estas empresas, o reconhecimento de que o tributo municipal é cabível em outras cidades, o que eles contestam, alegando que  Serviços de Valor Adicionado não são tributáveis.

Por fim, há uma questão técnica a ser melhor compreendida. De onde virá a capacidade para atender às mais de 2,4 mil cidades (até agora) que celebraram o acordo com o MCTIC, congregando 30 mil localidades? Até aqui, apenas a Telebras firmou o acordo com o MCTIC e disse estar disposta a entrar nesse modelo. Sabe-se que a sua nova recente parceira comercial da estatal brasileira, a ViaSat, tem feito experiências de um modelo de atendimento a comunidades remotas no México utilizando backhaul por satélite e acesso WiFi. Mas numa conta simplificada, a capacidade do SGDC (60 Gbps), mesmo que fosse utilizada integralmente para o Banda Larga para Todos (o que não é o caso, pois a Telebras precisa atender a um convênio com o MEC para levar banda larga em escolas e está finalizando um acordo com o Ministério da Saúde) seria suficiente para assegurar um backhaul permanente de no máximo 25 Mbps por município, no caso de uma conexão dedicada e não-compartilhada. Como serviços comerciais de banda larga precisam obedecer ao regulamento de qualidade do SCM da Anatel caso o volume de acessos supere 50 mil assinantes, a capacidade do SGDC pode ser insuficiente. Isso obrigaria a Telebras a ou ampliar a capacidade com um segundo satélite (o que leva algum tempo entre o planejamento e o lançamento) ou atender a estes municípios com links de fibra ou rádio digital, aumentando os custos.