Os EUA vão regular a proteção de dados pessoais?

Lia Ribeiro Dias – Tele.Síntese

A autorregulação das empresas, tão ao gosto do mercado e do ideário liberal dos Estados Unidos, definitivamente não responde mais à proteção dos dados pessoais no mundo digital. Frente à pressão que enfrenta no Congresso norte-americano, seja em decorrência da notícia de que os dados de 87 milhões de usuários foram passados para uma empresa de campanha política, seja de que sua empresa foi permissiva no uso de suas páginas por empresas e cidadãos russos para fazer campanha política em favor de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o próprio criador do Facebook, Mark Zuckerberg, já começa a admitir algum tipo de regulamentação para garantir a privacidade dos cidadãos na rede.

Os dados das pessoas estão cada dia mais vulneráveis a vazamentos, usos indevidos, roubo de identidades e acidentes diversos. Por mais que as empresas tentem aperfeiçoar suas configurações de privacidade, a maioria ainda é arcaica e complexa ao entendimento do cidadão, que concorda e autoriza o uso de seus dados sem ter a real dimensão com o que está concordando ou autorizando. E só a boa vontade do lado das empresas, já está claro aos políticos e reguladores, como vêm mostrando os debates e audiências no Congresso norte-americano, não consegue dar resposta a um problema complexo de proteção a direitos individuais, no caso de dados pessoais, e coletivos, de informações falsas.

De alguma forma — começam a se dar conta os políticos norte-americanos — é preciso criar uma estrutura regulatória com princípios gerais para as empresas que trafegam em massa dados de clientes. A Regulação Geral de Proteção de Dados da Comunidade Europeia (GDPR, na sigla em inglês), que entra em vigor a partir de maio e unifica a legislação dos países europeus sobre o tema, pode servir de inspiração ao debate nos Estados Unidos, embora alguns considerem o GDPR muito detalhista e de alto custo de conformidade para empresas pequenas.

Seja como for, a enorme concentração de poder da indústria da internet na mão de poucas empresas vem gerando um desbalanceamento de pesos de opiniões o que levou o criador da web, o físico Tim Berners-Lee, a defender em carta aberta, em março deste ano, a necessidade de uma mudança de rumo. Ele disse que essa concentração de poder criou um novo grupo de supervisores, permitindo que um punhado de plataformas controle as opiniões que são vistas e compartilhadas. Muito diferente do ideal de liberdade que orientou a criação da web.

Nesse cenário de existência de “supervisores da web”,  Berners-Lee admite que não se pode deixar apenas na mão das empresas todas as respostas à garantia da privacidade dos cidadãos, até porque, antes da defesa dos objetivos da comunidade da rede, elas visam lucro. “Um paradigma regulatório ou legal que leve em consideração esses objetivos sociais pode ajudar a diminuir essas tensões.”

Além da falta de controle sobre dados pessoais, os outros pontos apontados por Berners-Lee, em sua carta, envolveram a desinformação na web e a propaganda política como spam e sem transparência. Temas também objeto de audiências no Congresso norte-americano e em outros fóruns, e pano de fundo que vai movimentar os debates sobre a futura regulamentação sobre a proteção de dados nos Estados Unidos que, agora, parece ganhar corpo.