Entre as inúmeras consequências deste período de pandemia, uma em especial tem atraído atenção de urbanistas: a importância de evitarmos longos deslocamentos no nosso dia a dia. Uma crise global como a que vivemos tem o poder de acelerar algumas mudanças, como um indesejado catalisador que pouco pode ser controlado. Ideias de transformação que antes andavam em marcha lenta podem ser vistas como alternativas concretas para uma vida melhor, durante e depois do, digamos, tempo adverso.

É assim que as reflexões sobre ambientes urbanos compactos, que existem há anos e ganharam mais notoriedade mais recentemente graças à prefeita de Paris, Anne Hidalgo, voltam a ser vistos como alternativa ideal para configurar as cidades, de modo a dar melhor qualidade de vida a seus habitantes. Fazer com que qualquer pessoa leve pouco tempo para chegar aos seus locais de trabalho, estudo, atendimento médico, compras e lazer tem sido um dos focos principais do planejamento urbano. Um desafio que para ser alcançado depende, fundamentalmente, das ferramentas de Internet das Coisas.

A ideia de que esses deslocamentos sejam feitos a pé, de bicicleta ou até mesmo por patinetes ou outros tipos de veículos sustentáveis e que levem, no máximo, 15, 20 ou 30 minutos depende não apenas da descentralização e da diversidade de ocupação dos espaços urbanos, mas, sobretudo, do investimento em inteligência nos equipamentos de uma cidade e na forma como ela processa todas as suas atividades de comunicação. Desde o (óbvio) controle de trânsito e transporte público, liberando vias para pedestres e ciclistas, até a informação em tempo real sobre horários ideais para ir onde se quer, com o máximo de ações remotas e na palma da mão (como as idas ao médico ou supermercado), passando pela própria gestão pública, ainda marcada pela lentidão e burocracia.

Os smartphones e wearables terão papel fundamental neste cenário, trocando uma infinidade de informações, mesmo sem os usuários perceberem, mas é na digitalização das áreas públicas que a coisa acontece. Medidores de qualidade do ar, vagas rotativas públicas monitoradas online, sinais de trânsito inteligentes e preditivos, veículos (carros, bicicletas e scooters) conectados, iluminação inteligente, sensores de presença nas vias de grande circulação e tantas outras ações digitais vão gerar uma infinidade de preciosos dados (big data) que, cruzados com os dos dispositivos pessoais, associados a sistemas de Inteligência Artificial (AI) ou machine learning e aderentes às leis de proteção geral de dados (LGPD), vão fazer a transformação digital tornar-se uma realidade em curto espaço de tempo e ainda vão permitir uma mudança radical na qualidade de vida das pessoas.

As tecnologias de conectividade terão papel fundamental neste cenário e nem tudo será 5G, como os futurólogos dizem. O 5G será fundamental para viabilizar algumas novas frentes, como carros autônomos e a telemedicina avançada, mas o grande volume dos dados ainda trafegará por redes LPWA (Low Power Wide Area) tais como LoRa, NB-IoT, Cat-M e outras que ainda surgirão. Até mesmo o M2M, baseado em grande parte em redes 2G (GPRS/EDGE) ainda terá um long tail de utilização devido às características de um país de dimensões continentais como o Brasil.

Algumas cidades que estão participando da iniciativa do 15-minute City, divulgada e promovida a nível global pela C40 ( www.c40.org), têm cases interessantes e que deveriam se tornar referencia para a gestão pública, como é o caso de Chicago, que há alguns anos utiliza o incentivo na redução de impostos para gerar demandas comerciais e residenciais nas áreas da cidade. Se uma área é muito comercial, eles reduzem os impostos residenciais propiciando que pessoas venham morar naquela região e vice-versa.

A evolução tecnológica, assim como as práticas sustentáveis, só faz sentido se melhorar a qualidade de vida das pessoas, economizando recursos, inclusive tempo. A ideia de Cidade 15 Minutos vem para combater algumas mazelas decorrentes da desigualdade, que empurra os que têm menos condições para lugares cada vez mais periféricos no tecido urbano, reforçando a divisão de classes e tornando os deslocamentos um dos maiores desafios da gestão pública. Uma imensa evolução do que entendemos como cidade e que, com conectividade acessível e de qualidade somada a vontade política, tem tudo para se tornar real. Temos que lembrar, sempre, que a tecnologia tem papel fundamental na evolução do ser humano, não só no aumento de produtividade e na redução de custos, mas principalmente na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e da sociedade como um todo.

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