Anatel é pressionada a rever acordo com a Vivo

Valor Econômico – Rafael Bitencourt

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sofre pressões para rever o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) aprovado para o Grupo Telefônica, dono da marca Vivo, que converte multas em investimentos de cerca de R$ 5 bilhões em banda larga, celular e telefonia fixa. Os termos do compromisso são contestados pelas concorrentes Claro e TIM e pela Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp).

Na Câmara, a polêmica levou as comissões de Desenvolvimento Econômico e de Defesa do Consumidor a aprovarem a convocação de audiências públicas para ouvir a Anatel, representantes do TCU e as entidades envolvidas no debate.

O ponto mais polêmico diz respeito à lista de 100 cidades indicadas para receber os investimentos em ultra banda larga, que inclui, por exemplo, municípios da Grande São Paulo e capitais como Belém, São Luiz e Palmas. Os críticos dizem que a operadora está sendo beneficiada indevidamente com a escolha de regiões com alguma atratividade econômica, em vez de localidades sem qualquer infraestrutura. Mesmo criticada, a Anatel ainda não sinalizou se os termos do acordo precisarão ser revistos.

O acordo com a Vivo foi aprovado pela Anatel em outubro de 2016, mas ainda não foi assinado. O aval para a assinatura foi dado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em setembro deste ano, com ressalvas que exigem ajustes no texto. O TAC envolve R$ 2,2 bilhões em multas. Após atualização do valor histórico e definição das obrigações, a previsão de desembolso atingiu R$ 4,87 bilhões.

As queixas da Claro e da TIM foram formalizadas no mês passado com ofícios à Anatel. As concorrentes pediram para ser incluídas como partes interessadas no processo. Ambas alegam que o TAC da Vivo não cumpre o propósito de levar rede onde não existe e, assim, reduzir desigualdades regionais.

Questionada sobre as críticas ao acordo com a Vivo, a agência informou ao Valor que não se manifestaria a respeito. Interlocutores da autarquia alegam que foi feita a opção por atender um maior número de usuários de baixa renda nas periferias dos grandes centros em vez de destinar os mesmos recursos às cidades isoladas com baixa densidade populacional.

A Claro alega que já atende 16 das cidades selecionadas para receber a rede de alta capacidade da Vivo. A banda ultra larga é fornecida com rede de fibra óptica até as casas dos usuários. “A implementação de uma nova rede de banda larga fixa não traria um efetivo benefício à sociedade, que atualmente já pode ser atendida de outra forma, e sim uma mudança no equilíbrio competitivo na região, uma vez que a nova entrante terá sua infraestrutura subsidiada pelo TAC”, relatou a
operadora.

A TIM ressaltou que as negociações com a Vivo “certamente afetarão a condução do procedimento de celebração de TAC pela Anatel como um todo”. A operadora, que também negocia um acordo de TAC, para trocar multas por investimentos, considera que, para o setor, tal mecanismo é “a única oportunidade concreta de investimentos em novas redes, dissociados do potencial de exploração econômica”. Para a tele, alternativas como uso de fundos setoriais (Fust e Fistel) e recursos da
migração das concessionárias para o regime da autorização ainda são incertos.

Uma fonte do mercado disse que a aprovação do atual acordo com a Vivo geraria incertezas sobre as novas negociações. “Se o TAC da Telefônica passar dessa forma, o que impede outras operadoras de quererem o mesmo benefício? Os novos acordos podem contar com uma análise ainda mais rigorosa do TCU e, se houver diferença de tratamento, a questão pode ser levada à Justiça pelas demais operadoras”, afirmou.

Uma das entidades que contesta o TAC da Vivo, a Telcomp, enviou carta ao ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) e integrantes do conselho diretor da Anatel em que defende maior transparência.

“Além do evidente risco de frustração do interesse público em razão do não atendimento a populações fora dos grandes centros, a aprovação de investimentos dirigidos a cidades ou localidades economicamente atrativas tem potencial para gerar profundas distorções no ambiente competitivo”, reforçou a Telcomp no documento. Acrescenta ainda que “os recursos públicos dos TAC estarão patrocinando a entrada (ou melhoria das redes) de prestadoras-compromissárias em detrimento de prestadoras já atuantes e de possíveis entrantes”.

O caso é considerado controverso por técnicos da própria Anatel. Segundo fontes próximas à agência, a escolha das cidades teria levado à exoneração, no início de novembro, da superintendente de planejamento e regulamentação Maria Lúcia Bardi, que não concordava com os critérios adotados. O afastamento da gerente de universalização e ampliação do acesso, Karla Cavalcanti, também estaria relacionado a essas divergências. Questionada sobre essas mudanças, a Anatel não se manifestou.

A Ouvidoria da Anatel também fez ressalvas ao critério de escolha de localidades a receber investimentos da Vivo. Além de reforçar argumentos do TCU, o informe da Ouvidoria expôs a preocupação em respeitar a categorização de municípios baseada em padrões de renda e índices de desenvolvimento humano.

Procurada, a Telefônica informou que o TAC negociado cumpre rigorosamente o regulamento aprovado pela Anatel. A prestadora destaca que esse mecanismo favorece o setor como um todo, pois “de um lado elimina a incerteza de longas disputas legais, e de outro impõe obrigações de construção de infraestrutura de banda larga em condição de perda econômica [prejuízo]”. A tele informou que “continua trabalhando com as autoridades competentes para construir um TAC que atenda de forma efetiva o que mais importa, que é o interesse dos usuários e a transformação do país em uma nação mais conectada e digital.”